segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

OBESIDADE/INVEJA

A inveja como um dos fatores constituintes da obesidade


“... nenhum mortal pode guardar um segredo; se sua boca permanece em silencio, falarão as pontas de seus dedos...” Freud 1905-caso Dora
Na década de 30, era comum dar a obesidade a denominação de distúrbios das glândulas endógenas, entretanto, foi a partir dos trabalhos de Bruch 1943; Fenichel 1966; Rascovsky 1950 e alguns outros  que passou-se a olhar este fenômeno como de natureza psicológica.

A Obesidade difere dos Transtornos Alimentares, não é considerada uma patologia psiquiátrica per se, por estar intensamente ligada a causas orgânicas. No entanto, encontra-se imbricada a fatores emocionais, especialmente de ordem psicossomática. A Obesidade costuma estar associada a transtornos do comer compulsivo (diagnosticados conforme critérios do DSM IV) em 30% dos casos e a outros transtornos psiquiátricos, como a depressão e a ansiedade, em 60% dos casos (Spitzer e col., 1992 IN: Mello Filho, 2000).

Toda doença é psicossomática, visto não haver doença “somática” inteiramente livre de influência psíquica - um acidente pode ter ocorrido por motivos psicogenicos e tanto a resistência contra as infecções quando todas as funções vitais são incessantemente influenciadas pelo estado emocional do organismo e até a mais psíquica das conversões pode basear-se em facilitação puramente somática.(Freud citado por Fenichel 1997).

Quem sofre com este tipo de transtorno (DSM IV), quase sempre, possui razões muito mais profundas que mera "gula".
No Brasil, 40% da população têm o diagnóstico de excesso de peso, a maior incidência está entre os adultos, e entre estes, as mulheres.

No entanto, para a Psicanálise a obesidade só se classifica como um sintoma, a partir do momento que incomoda o próprio sujeito. Comer somente o necessário está na contramão da programação alimentar histórica humana, quando pensamos que descendemos de uma civilização primitiva, em que a regra máxima era comer, armazenar energia, para garantir a sobrevivência até a próxima oportunidade de refeição.
É muito importante explicar que traçar este vínculo, não deve servir para legitimar a compulsão pela comida, mas sim para reforçar que a luta contra a compulsão deve ser intensificada porque estamos enfrentando, inclusive nossa própria natureza, já que hoje o alimento está disponível em maior escala que na pré-história dos antepassados.

A grande questão para quem carrega este sofrimento, ou seja, para quem sente a necessidade desnecessária de comer, é perguntar-se: por que estou comendo, o que estou tentando saciar, já que a fome não é?

Questionar-se é o mais importante e o primeiro passo para a compreensão deste sintoma psicológico. Dentre as respostas sob a ótica Psicanalítica podem estar (alguns exemplos hipotéticos): - um mecanismo de defesa, criado a partir de um evento traumático, quando há a necessidade de se pôr a margem desta sociedade, a negação em fazer parte dela; - autopunição, usar o próprio corpo como forma de castigar-se inconscientemente por algo;- tentativa de saciar uma fome não orgânica, mas emocional. Comer para tentar preencher um espaço vazio; comer como forma de prazer, porque outras formas são ineficazes ou inexistentes, conflito inconsciente, arraigado a partir da infância, já que quando se é bebê ou até poucos anos de idade, ser gordinho é bonito e sinal de saúde, de repente, deixa de ser e vêm os regimes. Isto, além de ilógico, é cruel. Um exemplo prático, dos exemplos acima é: quando se faz uma cirurgia para redução de estômago, é imprescindível o acompanhamento psicológico, não só para ajudar na elaboração (idéia de si mesmo) da nova forma física, mas para impedir que outros transtornos tenham início.

Se, comer constitui a principal fonte de prazer e ela é inibida, isto pode resultar numa inexplicável depressão.
As indicações acima são apenas para ilustrar como os fatores psicoemocionais podem influenciar, quando o excesso de peso é indesejado pelo sujeito. Diferentemente dos preceitos sociais, a Psicanálise não classifica padrões e nem julga modelos, ela busca fazer com que o sujeito tome contato, identifique-se e harmonize-se com seus próprios desejos, neste caso, sejam eles: gordo ou magro.

Para Freud (1926 [1925]), o sintoma é a manifestação de uma satisfação pulsional substitutiva que permaneceu jacente, podendo ser considerada conseqüência de uma repressão processada pelo Eu. O sintoma tem em seu fundamento um desejo inconsciente que, por não ser suportável à consciência, o sujeito tenta se defender de tais pulsões, desejos e idéias através do recalcamento. Os sintomas são substitutos de uma representação inconsciente que transpõem a barreira do recalcamento, utilizando-se, para tanto, de mecanismos de condensação e deslocamento (FARIA, 1998; OCARIZ, 2000; ROUDINESCO, 1998).

Sendo assim, não negando as intercorrencias e condições clinicas do obeso, bem como as de ordem cultural e também familiar,  é que pretendo tanto quanto me é possível hoje, com os recursos  disponíveis no nosso caso, o da observação e bibliografia, olhar para esta afecção mais de perto, do contexto psicanalítico somático.   


Em que pese o que já se tem escrito e discutido sobre a obesidade no campo da compulsão, no processo da repetição, evitação, o desejo de destruir através da mordida (o evento canibalistico da fase oral), ou ainda a sublimação da agressividade reprimida (explicitada) no uso do garfo e da faca, proteção corporal ou mesmo como uma defesa contra investimentos de objetos externos e internos, ou ainda se utilizando do mecanismo da identificação, quero contudo apresentar um outro viés desta afecção.

O que trago não é exatamente um caso tratado no consultório, mas é um fato de uma pequena observação ocorrida durante uma visita que fiz a uma clinica de emagrecimento em São Paulo, há pouco mais de 1 ano e de lá pra cá venho trabalhando esta questão onde posso.


Havia nesta clinica varias pessoas com o objetivo de perder peso, mas, com fins diferenciados e específicos.
Havia pessoas que já haviam feito a cirurgia de redução de estomago e que tinham voltado a engordar. Havia pessoas que estavam ali somente para uma reeducação alimentar, outros precisavam perder peso para então se candidatarem a fazer a cirurgia de redução de estomago e havia também algumas que tinham uma espécie de cadeira cativa e todas as semanas passavam por lá três a quatro dias depois voltavam para sua vida rotineira.  

Quando as pessoas chegam nesta clinica fazem uma avaliação de suas necessidades, de seus desejos e objetivos e em cima desta avaliação, recebem uma especificação da quantidade de calorias que deverão consumir a cada dia para atingir o objetivo primeiro.
Em função deste pormenor (quantidade de calorias a serem consumidas no dia) foi que o quadro se me apresentou e que despertou o caminho da pesquisa.

Cada pessoa recebe a cada refeição o seu prato identificado, pronto para ser consumido já com a quantidade de calorias previstas para aquela refeição e foi neste momento que ouvi alguém dizer:

“Hei, com quantas calorias você está? A que o outro responde 1200. Então vem a réplica. Se nós temos as mesmas calorias porque teu prato é maior que o meu?”.

As refeições são cuidadosa e rigorosamente montadas de acordo com o pré estabelecido. Qualquer mudança só com a autorização da nutricionista responsável. Não havia qualquer possibilidade do prato de uma estar maior que o da outra.

Isto me levou a pensar a partir daí no aspecto da inveja no quadro comportamental (basicamente voraz) que tem o obeso. – Se o prato do outro é maior que o meu, está faltando no meu.

Conceituando um pouco, temos que a inveja em tese é composta pelo desejo de ter aquilo que o outro possui (neste caso o alimento) vinculado a voracidade, um desejo impetuoso e insaciável que excede o que o individuo necessita e está ligada inseparavelmente a privação e frustração, ou seja, a necessidade de preenchimento da falta, do vazio de amor, afeto, aconchego, acolhimento, etc.
Fica claro que a questão não está só no ter o que é do outro neste caso o alimento, mas, também o que isto representa e o que se pode obter de benéfico, de gratificação, de prazer com isto.

A inveja, como um fato clínico, é originária da intensificação do ódio, sendo mobilizada pela pulsão de morte voltada contra o próprio sujeito invejoso. O ódio tem como consequência o distanciamento de contato do invejoso com seu próprio ser. Uma situação que levaria ao esvaziamento do self, caso não surgisse a inveja como medida compensatória ao esvaziamento.

Trata-se do ódio dirigido ao que evoca as insuficiências do invejoso, tendo em vista remover a fonte de seus sofrimentos. O ódio ao beneficiário do que é desejado substitui o ódio do invejoso contra si próprio.
Melanie Klein (1964) disse que a pessoa invejada é tida como possuidora daquilo que é mais desejado: um objeto bom, sendo que o impulso invejoso visa tomá-lo ou estragá-lo. O aspecto destrutivo está sempre presente na inveja e, para a teoria kleiniana, os impulsos destrutivos operam desde o começo da vida, em que o bebê coloca partes más de si mesmo, excrementos e outras maldades na mãe e no peito para estragar e destruir o que há de bom. Isso significa que para conhecer a inveja é preciso estudar os caminhos e os processos da capacidade de odiar e de destruir, da qual ela é um derivativo.

A inveja neste caso especifico, pode ser reportada a inveja do seio materno provedor do alimento mas ao mesmo também provedor do aconchego, do afeto que a amamentação proporciona, ou pelo menos presume-se que proporcione.

A inveja pressupõe um objeto para qual está direcionada e aqui neste quadro conforme comprovado na clinica, nos questionamentos que fiz, para alguns casos a existência de irmãos mais novos que requereriam maiores cuidados maternos, exigindo da mãe mais atenção provocando no mais velho a necessidade, a falta do preenchimento do vazio, gerando a inveja.

É como se o irmão mais novo fosse o privilegiado, tendo mais alimento e conseqüentemente mais amor. Com o narcisismo ferido e frustrado o comer voraz compulsivo visa a introjeção total do objeto amado e tudo que ele simboliza antes que o outro mais novo receba aquilo que julga ser seu, mas pode representar também o desejo de destruir (comendo) o objeto ou ainda o desejo de introjetá-lo para quem sabe assim, receber as mesmas gratificações.
O inverso também é verdadeiro isto é, do irmão mais novo para com o mais velho, crendo que este por ser mais velho tenha privilégios que julga serem seus.

O obeso recebe ainda a discriminação cultural e da mídia que ressalta os prazeres e favores que os magros recebem ou esbanjam através de carrões e lindas mulheres para os homens e glamour em capa de revistas e homens saradões para as mulheres.
Ora como eu posso me defender da inveja que tenho destas beldades ou destes saradões, ou do ódio que sinto por mim por não ser assim?
Uma das alternativas é criando uma capa isoladora destes investimentos externos.
Como crio esta capa?
Uma das alternativas é comendo.

O invejoso carrega algumas características:

A inveja sempre é dirigida a algo que já pertence a um outro e este algo pode ser qualquer coisa desde um atributo pessoal até bens matérias, como um fetiche valioso.
-Este algo desejado (invejado) é sentido como único e não pode ser compartilhado. O invejoso quer exatamente aquilo, não lhe interessa algo semelhante, não só para que ele tenha, mas, para que o outro não tenha.
- Uma característica inevitável no invejoso é um permanente jogo de comparação com os demais que foi o que observei na experiência na clinica. Nesta comparação ou é perdedor ou vencedor. Não há meio termo.
- Possue extrema sensibilidade á perda de qualquer coisa que tenha significado. Deve-se isto a uma lógica inversa “Se eu não tenho, ou perdi, é porque eu devo ser indigno e imerecedor de possuir o que é bom”. Isto se reflete nas diversas tentativas que o obeso faz para emagrecer e ao longo do tempo vai se sabotando, entrando no processo da repetição negativa e frustrante, que gera sentimento de incompetência que é transportado para outras áreas da vida.
- O invejoso sofre ao ver que o outro possui aquilo que ele quer para si e assim é penosa para ele a satisfação do outro.
- Uma das maneiras de defender-se da inveja consiste em sufocar sentimentos de amor e trocá-los pelo ódio manifestado na utilização de garfo, faca, mordidas fortes num sentido de destruição do outro.

Está claro que a psicanálise não é uma ciência cartesiana do tipo “toma lá da cá” ou seja, acontecendo isto, necessariamente acontecerá aquilo.
O que trago é um questionamento, um invocar de investigação.

...importante a destacar é que o corpo fala e falam especialmente aqueles sentimentos que ainda não puderam ser expressos com o simbolismo das palavras. Assim alguma parte do corpo que estiver, mais sensibilizada por um determinado conflito psíquico pode funcionar tanto como uma caixa de ressonância, ( a corda sempre rebenta na parte mais frágil) como também a área corporal escolhida, que pode se constituir como um cenário no qual são representados dramas íntimos, com as respectivas fantasias inconscientes...(Zimerman 2004 )




Dr Nilton de Oliveira
Skype nilton112010    



Referencias Bibliográficas

Fenichel,O. Teoria psicanalítica das neuroses Atheneu,S.P, 1997
Klein,M. inveja e gratidão Imago,R.J 1991
Mello Filho,J. Psicossomática hoje Artes medicas P.A, 1992
Mijolla,A. Dicionário internacional de psicanálise Imago,R.J,2002
Paiva,L.M. Medicina psicossomática Artes medicas .A, 1994
Zimerman,D.E. Fundamentos Psicanalíticos artmed  P.A,1999
------------------Manual de técnica psicanalítica artmed P.A, 2004

Um comentário:

  1. Para quem não sabe a Inveja nasceu aqui em Curitiba....disse Paulo Leminski: inveja é pecado e Deus castiga, na próxima encarnação vais nascer em Curitiba; se não fosse isso e era menos se não fosse tanto e era quase.

    Magnífico artigo, a inveja prospera desde o socialismo radical até a obesidade mórbida.

    Invejosos sempre se unem no ódio, a inveja de repetição transforma-se em ressentimento permanente.

    Meus parabéns pela exposição do que vejo e sinto diariamente !!

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